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“Voto impresso não aumenta a segurança do voto”, diz secretária geral do TSE

Uma das tarefas de Aline Osório ao assumir a secretaria geral do Tribunal Superior Eleitoral foi desenvolver e coordenar o Programa de Combate à Desinformação, voltado a combater informações falsas sobre o sistema eleitoral

No dia anterior à entrevista com a advogada Aline Osório, 33 anos, secretária geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mais uma vez defendia nas redes sociais a implementação do voto impresso para as eleições de 2022. Caso contrário, afirmou ele, poderá haver uma “convulsão social” no Brasil.

Aline argumenta, no entanto, que nunca houve fraude comprovada no sistema eletrônico de votação. “A experiência com o voto impresso, por outro lado, nos mostrou que não é mais seguro e nem passa essa sensação ao eleitor”, afirma à Marie Claire.

A advogada Aline Osório é secretária geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (Foto: Arquivo pessoal)

A advogada Aline Osório é secretária geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (Foto: Arquivo pessoal)

Na última segunda-feira (21), o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, deu prazo de 15 dias para que Bolsonaro apresente evidências ou informações de ocorrências de fraude ou irregularidades nas eleições de 2018.

Aline passou a comandar a secretaria geral em maio de 2020, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso assumiu a presidência do TSE. A relação próxima com o ministro vem de longa data. A advogada foi assessora de Barroso no STF, chefe de gabinete quando ele era vice-presidente do TSE e aluna dele no curso de Direito da UERJ.

Uma de suas tarefas ao assumir a secretaria geral foi a de desenvolver e coordenar o Programa de Combate à Desinformação, voltado a combater informações falsas sobre o sistema eleitoral. “Não é uma guerra que possamos vencer, mas mitigar os impactos negativos”, afirma. “Há grandes estruturas muito bem financiadas que disseminam a desinformação. Não vamos acabar com as notícias falsas nas redes, mas atuamos para não haver vácuo de informação verdadeira, reduzir a viralização, e, em último caso, remover informação falsa. Mas não é possível imaginar um mundo sem produção de conteúdo fraudulento”.

Aline é autora do livro Direito Eleitoral e liberdade de expressão (editora Fórum), tema de sua tese de mestrado. Na época de pesquisa, junto ao professor de Direito Constitucional da UERJ Daniel Sarmento, atuou como advogada amiga da Corte (participante que contribui com informações e estudos fundamentados sobre o tema tratado) na votação no STF que proibiu a doação de empresas para campanhas eleitorais.

A advogada não quis comentar as ações pendentes no TSE contra a chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão nas eleições de 2018, acusada de abuso de poder econômico por meio de disparos em massa de mensagens no Whatsapp. “Sou de área administrativa e não jurisdicional, portanto não tenho informações sobre este tema”.  Ainda não há previsão de julgamento destas ações.

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Também coordenadora da Comissão Gestora de Política de Gênero do Tribunal Superior Eleitoral (TSE Mulheres), Aline defende que a paridade de gênero nos espaços de poder é um caminho inevitável, ainda que, na visão dela, países como o Brasil estejam distantes de alcançá-lo.

MARIE CLAIRE O presidente Jair Bolsonaro lidera um movimento que defende o voto impresso em 2022 e acusa o sistema eleitoral eletrônico de fraudulento. Chegou a dizer que sem o voto impresso poderá haver uma convulsão social no país. Qual a sua opinião sobre o voto impresso? Qual sistema é mais suscetível a fraude?
ALINE OSÓRIO
O debate sobre alternativas para aumentar a segurança do voto é saudável e deve ser feito. A minha opinião sobre o voto impresso em particular é que ele cria uma série de problemas sem oferecer maior segurança ao processo eleitoral. Primeiro, há problemas operacionais. Estamos com pouca brevidade antes das eleições de 2022. Toda aquisição de nova tecnologia, como impressoras do voto, demanda longo processo de licitação, teste e fabricação dessas urnas. São impressoras customizadas. Em 2002 tivemos uma experiência com voto impresso no Brasil. O que se percebeu naquele momento é que ele causou filas gigantescas, inclusive no Distrito Federal a votação foi até as 3 da manhã. Muitas impressoras emperraram e tiveram que ser substituídas. E se não tiver impressora para substituir, tem que trocar toda a votação por cédula. O que se concluiu é que o voto impresso não aumenta a segurança do voto, nem a sensação de segurança pro eleitor.

MARIE CLAIRE Qual é a história do voto eletrônico no Brasil? Por que ele foi implementado?
ALINE OSÓRIO
O voto eletrônico foi introduzido no Brasil para lidar com o problema do voto em papel. Quando a gente fala do voto impresso como meio de auditoria, você traz novamente esses problemas do voto manual. Cada impressora vai guardar esses votos impressos. A partir do momento em que se encerra a votação, no sistema eletrônico você faz a transmissão dos votos para o TSE. Com o voto impresso, esses registros têm que ser transportados, armazenados, vigiados, até o momento da recontagem. No Brasil, país que tem uma alta incidência de roubos de carga, é possível imaginar o risco. No momento da recontagem, novamente teremos 2 milhões de pessoas para fazer isso, outra oportunidade de subtrair ou incluir um voto. Basta que haja divergência em uma contagem para que se coloque em dúvida todo o processo eleitoral. É muito mais fácil fraudar registro em papel do que na urna eletrônica, que tem mais de 30 camadas de segurança, exige conhecimentos específicos, e não está ligada em rede, então não tem como coordenar uma ação para fraudar várias urnas. Não há nenhuma comprovação de fraude na urna eletrônica desde que foi implementada. O STF determinou inconstitucional a lei da implantação do voto impresso pela possibilidade de quebra do sigilo de voto. Também falou na questão dos custos e da desproporcionalidade, considerando que o sistema eletrônico é seguro. Atualmente o voto impresso só pode ser reintroduzido a partir de uma emenda constitucional, aprovada no Congresso e autorizada pelo STF.

“É muito mais fácil fraudar registro em papel do que na urna eletrônica”

Aline Osório

MC As eleições presidenciais de 2018 foram um marco no uso político de fake news no Brasil?
AO
Elas foram um marco na desinformação contra o próprio processo eleitoral e a credibilidade do processo de votação. Em 2018 o TSE se preparou para combater a desinformação entre os candidatos e acabou sendo alvo dessa desinformação. Não tínhamos recursos para combater essas informações, então o programa foi estruturado para que o processo eleitoral pudesse ser protegido dos efeitos negativos da desinformação.

MC Quais medidas já foram tomadas pelo TSE para combater a disseminação de fake news? Existe uma maneira eficaz de combater as fake news?
AO
Não é uma guerra que possamos vencer, mas podemos mitigar os impactos negativos. Estruturamos o programa em três pilares: combater com mais informação, na ideia de que a desinformação acontece no vácuo de informações confiáveis. O segundo pilar é a capacitação, ensinando a população a compreender o fenômeno e a combatê-lo. O terceiro pilar é controle de comportamentos inautênticos, buscando interferir apenas de forma excepcional em conteúdo. Mais de 60 organizações parceiras, agências de checagens, universidades, organizações da sociedade civil participaram. Tratamos como um problema sistêmico. Criamos a coalizão para checagem, uma rede de 9 agências de checagem e membros dos 27 tribunais regionais. Também criamos o site Fato ou Boato, que centralizava todas essas checagens. Poderia ser acessado sem gastar o plano de dados dos usuários. No Brasil várias pessoas, de baixa renda e com planos limitados, têm dificuldade de checar notícias falsas. Não adianta dizer: por favor verifique o conteúdo antes de compartilhar, se não conseguirem entrar nos sites oficiais. Também criamos em parceria com o Whatsapp, pela primeira vez no mundo, um chatbot por meio do qual os eleitores conseguiam obter as informações mais relevantes e checar conteúdo falso. Também criamos uma central de notificações nos aplicativos do TSE. Enviamos mais de 300 milhões de mensagens. Pela primeira vez no mundo, as principais redes sociais celebraram com o TSE acordos em que se comprometeram a adotar medidas específicas contra a desinformação. Criamos um canal direto com eles. Acionamos as plataformas diversas vezes. também fizemos um canal de denúncia de disparo em massa. Em 2018 o grande problema foi o disparo em massa no Whatsapp. Criamos um canal que qualquer cidadão poderia denunciar mensagens suspeitas. Se o Whatsapp confirmasse o disparo em massa, podia banir a conta. Mais de mil contas foram banidas.

MC Por que você diz que é uma guerra impossível de ser vencida?
AO
Porque  há grandes estruturas muito bem financiadas que disseminam a desinformação. Não vamos acabar com as notícias falsas nas redes, mas atuamos para não haver vácuo de informação verdadeira, reduzir a viralização, e, em último caso, a remoção da informação falsa. Mas não é possível imaginar um mundo sem produção de conteúdo fraudulento.

MC A principal plataforma digital que falta para o TSE fechar um acordo é o Telegram – o aplicativo que mais cresce, com menos regulação, grupos de até 200 mil pessoas, e que no Brasil é dominado por grupos de extrema-direita. Essa situação preocupa o TSE?
AO
Nos preocupamos em ampliar nossa rede. O telegram cresce, mas não tenho uma comparação do tamanho atual dele com o do Whatsapp.

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MC Qual a sua opinião sobre a regulação das plataformas digitais?
AO
Nenhuma estratégia é suficiente por si. Temos que aliar a regulamentação, as leis, com outras estratégias que envolvam a sociedade civil, várias instituições públicas e privadas. Temos uma proposta de lei, o Projeto de Lei das Fake News, que trata de vários temas. Eu defendo que as redes sociais devem ampliar a transparência das políticas de moderação de conteúdo e comportamento e que elas sejam aplicadas de forma consistente pelas plataformas. Por outro lado, também penso que as plataformas devem investir mais em relatórios de transparência e no trabalho de atuar junto com organizações da sociedade civil para produzir dados sobre o que é feito nas plataformas.

MC Uma proposta de decreto que restringe as possibilidades em que plataformas poderão apagar conteúdos ou suspender contas de usuários está em análise pelo presidente Jair Bolsonaro. Qual a sua opinião sobre isso?
AO
Não concordo com o caminho proposto pelo decreto aventado pelo governo federal. Me parece ilegal porque um decreto não pode ir além do preve a lei e o Marco Civil não permite que o governo interfira na decisão de cada rede social sobre como ela atua com relação a conteudos produzidos pelos usuários, seja impedindo que apaguem ou suspenda contas. Acho também que há um problema de constitucionalidade pelo risco de censura administrativa e violação à livre iniciativa. A moderação de conteúdo e comportamento dentro das plataformas é uma atividade central delas, faz parte do modelo de negócios. O governo da vez pode passar a definir o que pode ou não circular nas redes sociais. também iremos criar ambientes digitais cada vez mais tóxicos e com consequências imprevisíveis. Vemos isso na saúde pública, nas fake news sobre Covid que podiam circular livremente. Casos no mundo com falsas curas que já mataram centenas de pessoas. Os usuários que têm posts retirados são uma parcela ínfima, então estaríamos penalizando a maioria que ficariam em redes mais hostis.

MC Você acha que a atual regulação das plataformas é satisfatória?
AO
Podemos melhorar no Brasil as políticas voltadas ao processo eleitoral, fazer com que as políticas de moderação de conteúdo devam ser definidas de antemão, que sejam facilmente acessíveis aos usuários, em português e que também haja uma maior consistência na aplicação dessas normas. O que eu não defendo é a tentativa do governo de impor o que as redes podem ou não moderar. Nos casos de moderação de conteúdo, já está aberto o caminho do poder judiciário. A pessoa que tem a conta bloqueada pode entrar na Justiça. O decreto inverte essa lógica. Imagina que para retirar uma publicação você precise ir antes ao poder judiciário. O poder judiciário não daria conta.

MC Qual o papel da Comissão Gestora de Política de Gênero do Tribunal Superior Eleitoral (TSE Mulheres) e quais medidas foram implementadas  até agora?
AO
O objetivo é incentivar a participação feminina na política e na justiça eleitoral. Hoje a comissão é formada por 19 integrantes. Foram várias as iniciativas desde a criação, em 2019. Lançamos campanhas institucionais para inspirar mulheres a ocuparem cargos políticos e fazerem parte da vida pública. Com várias organizações parceiras, lançamos medidas para combater a violência de gênero na política, vários vídeos chamando atenção para as diversas formas de violência, o tratamento desigual, dificuldade nas candidaturas, no acesso ao financiamento de campanha, discursos de ódio. Agora estamos produzindo uma grande campanha de rádio sobre isso também. Organizamos eventos, produzimos materiais acadêmicos, fizemos um curso sobre aplicação do fundo partidário, lançamos um livro sobre isso, a guia de segurança mais mulheres na política. Temos também o site Participa Mulher, com dados, e no âmbito interno participamos da elaboração de uma portaria que determina que todos os eventos devem contar com no mínimo 30% de mulheres como palestrantes.

MC O Brasil deveria adotar a paridade de gênero na política institucional? E no Judiciário?
AO
O caminho da paridade de gênero é inevitável, alguns países vão demorar mais ou menos para trilhá-lo. Na política há vários países que já conquistaram a representação paritária. O México e a Argentina, por exemplo, conseguem paridade por meio de sistemas eleitorais em listas fechadas em que uma candidata mulher deve ser colocada a cada candidato homem. Há vários parlamentos na América Latina que já têm a implementação da paridade. No Brasil temos uma das piores representações femininas do mundo, atrás de países como o Egito, que restringe direitos de mulheres. No Congresso temos uma cota de 30% de candidaturas femininas, mas que não se traduz em cadeiras. Temos apenas 15% de mulheres eleitas. Toda reforma política tem que ser vista com recorte de gênero, pensar como aumentar a representatividade feminina nos espaços de poder. Defendo as políticas de paridade de gênero em todos os ambientes institucionais, mas olhando para nossa realidade não acho factível pensar que neste momento  nosso Congresso vai aprovar qualquer regra que vise a paridade em cargos eletivos. Portanto, defendo neste momento políticas que incrementam a efetividade das cotas de candidaturas, inclusive com distribuição melhor do fundo eleitoral.

“Toda reforma política tem que ser vista com recorte de gênero”

Aline Osório

MC A que atribui esse baixo índice de representatividade feminina na política?
AO
Há uma série de fatores que no Brasil fazem com que mulheres ainda enfrentam essa subrepresentação. No início, a lei das eleições criou uma cota de candidaturas que dizia que os partidos deveriam reservar 30% das candidaturas a mulheres. Os partidos entenderam que só precisavam reservar, ainda que não mulheres não ocupassem as candidaturas de fato. Foi preciso uma lei para que essas vagas fossem efetivamente ocupadas, mas ainda assim há formas de burlar, como as candidatas laranjas, falta de financiamento. A própria violência política constitui uma barreira no Brasil na medida em que desestimula mulheres a participarem da vida pública por terem que enfrentar, além de jornadas duplas ou triplas, o discurso misógino. No poder judiciário se entra por concurso público, então há cada vez mais mulheres. Mas não há tantas em cargos de mais poder, como desembargadoras, ministras. Pela primeira vez o STF aprovou uma lista tríplice para cargos de ministro do TSE formada integralmente por mulheres. Normalmente essas listas são só de homens. Então, claro que a lista só de mulheres causou estranhamento de muitos. Precisamos de homens que sejam feministas para que haja essa perspectiva da importância da mudança. Essa lista feminina depende de uma nova visão sobre a mulher no espaço público, é um sinal de novos tempos.

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MC Você é uma mulher jovem ocupando um cargo alto no TSE. Como tem sido a experiência?
AO
Muito positiva. Sou extremamente determinada e trabalhadora e tenho sido respeitada. Muitas vezes há um estranhamento em início de reuniões, algum tipo de reação diante de alguém que não usualmente ocupa esse espaço. Lembro de um episódio quando ainda era chefe de gabinete, em que  fui atender a uma audiência e a primeira pergunta que me fizeram foi: “Quantos anos você tem?”. Sem “boa tarde”. Fui recebida dessa maneira, claro que não se faria isso a um homem. Não é uma pergunta corriqueira.


Revista Marie Claire

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