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Tomou a vacina e morreu de covid. Por quê?

Imunização reduz risco de adoecimento, hospitalização e morte, mas não pode ser vista como estratégia de proteção individual: nenhuma vacina é 100% eficaz.

Por mais que estejamos confiantes nos efeitos coletivos da vacinação, fomos sempre muito cuidadosas por aqui ao falar sobre os resultados dos testes clínicos de cada imunizante, assim como os impactos já identificados na “vida real”. É um desafio muito grande passar duas mensagens ao mesmo tempo: a primeira, de que qualquer vacina segura será importante para reduzir o impacto da covid-19 na comunidade; e, a segunda, de que a vacina não deve ser vista como garantia de proteção individual até que haja a chamada imunidade coletiva, ou de rebanho.

A revista Piauí publicou uma reportagem e um relato sobre brasileiros que adoeceram e morreram por covid-19 mesmo após tomarem duas doses de vacina. Agnaldo Timóteo, morto pela doença no último sábado, também tinha sido imunizado. No caso do cantor, acredita-se que a infecção tenha ocorrido antes da aplicação da segunda dose, quando ele ainda estaria apenas parcialmente protegido.

Mas é realmente possível desenvolver formas graves da doença e morrer mesmo após o tempo necessário para a geração da resposta imune esperada, e uma reportagem d’O Globo traz esse importante alerta. Vai ser comum? Não. O esperado é que a maior parte dos casos seja leve, e é por isso que os sistemas de saúde tendem se desafogar conforme a imunização avança. Mas os organismos não reagem à vacina da mesma forma, e algumas pessoas ainda estarão vulneráveis. Por isso é importante ter muita gente vacinada, diminuindo a chance de os vulneráveis se infectarem (ainda não está bem estabelecido o impacto de cada vacina na transmissão, mas há certo consenso de que elas devem promover alguma redução nesse sentido).

A ideia de que as vacinas irão certamente proteger contra casos graves, que se tornou corrente, é muito perigosa: pode tanto gerar um aumento do comportamento de risco das pessoas antes que seja seguro fazê-lo, como dar munição para quem joga ao lado dos “antivacina”, à medida que os casos de adoecimento e morte começam a pipocar. Recomendamos a leitura deste artigo de Hilda Bastian, especialista em análise de dados de ensaios clínicos, que fala sobre o que realmente podemos ou não esperar das vacinas e de por que é preciso melhorar essa comunicação.

Ela lembra, por exemplo, que nenhum ensaio clínico até agora foi desenhado para verificar a eficácia dos imunizantes na proteção contra hospitalizações. Esse tipo de evento é incomum em meio às infecções – se os pesquisadores tivessem que esperar até que eles ocorressem nos testes em número suficiente para que os resultados fossem estatisticamente significativos, os ensaios demorariam muito mais. Em relação às mortes, os dados são ainda mais frágeis: até agora, só dois ensaios de vacinas tiveram qualquer episódio de morte (entre os grupos não-vacinados). O que se vê nos estudos que analisam as vacinas na “vida real” é que há uma grande redução nos adoecimentos, hospitalizações e mortes. Mesmo assim, ainda não há nada indicando que as vacinas aprovadas até agora ofereçam o mesmo grau de proteção contra esse tipo de evento.

EXEMPLO FORÇADO

Ontem Jair Bolsonaro anunciou que irá a Chapecó, em Santa Catarina, para conhecer o “trabalho excepcional” do prefeito João Rodrigues (PSD) na pandemia. “Para exatamente não só ver, mas para mostrar a todo o Brasil que o vírus é grave e que seus efeitos têm como ser combatidos”, disse ele.

Rodrigues assumiu em janeiro, é um entusiasta do tratamento precoce contra o coronavírus e, logo no começo do mandato, montou um ambulatório específico para isso. No domingo, publicou um vídeo nas redes sociais afirmando ter conseguido dessa forma reduzir casos e mortes no município, que o número de internações estava “próximo de zero” e que outros gestores deveriam seguir seu exemplo. O presidente, claro, compartilhou a postagem.

Só que o prefeito omitiu alguns detalhes. Ainda em janeiro, ele liberou eventos antes restritos (como grandes festas), ampliou o funcionamento de bares e permitiu shows de música ao vivo. Houve uma explosão de casos e mortes. Em fevereiro, com a saúde em colapso, Rodrigues decretou o fechamento do comércio, bares e restaurantes, além de um toque de recolher durante duas semanas – restrições mais duras do que no resto do estado. Somente depois disso, os casos começaram a cair.

Em entrevista ao NCS Total, ele reconheceu que o “lockdown parcial” contribuiu para a melhora… Mas disse que estão “sobrando leitos à vontade”, o que é mentira – o quadro segue preocupante. Segundo os boletins da própria prefeitura, 100% dos leitos públicos e privados para covid-19 estão ocupados. Quando Rodrigues assumiu a prefeitura, a cidade tinha 123 óbitos. Hoje, são 537. Mesmo com a redução nas internações em relação a fevereiro, elas ainda estão muito acima do patamar de janeiro (193 pacientes internados ontem, contra 69 no começo do ano).

DISPARADA

O uso disseminado dos remédios do “kit covid” não melhora em nada o curso da pandemia, mas teve um efeito bem palpável: a notificação de efeitos adversos relacionados a eles disparou, como constataram os repórteres d’O Globo Leandro Prazeres e Paula Ferreira, com dados levantados junto à Anvisa.

No caso da cloroquina, xodó do presidente Bolsonaro, o aumento foi de espantosos 558% – em 2019 houve 139 notificações, e no ano passado foram 916. Do total, 96% vieram do Amazonas. Entre os efeitos, estão distúrbios dos sistemas nervoso, gastrointestinal, psíquico e cardíaco. Em 2019, a cloroquina estava em sétimo lugar na lista dos medicamentos responsáveis por notificações de efeitos adversos; no ano passado, ficou em primeiro.

Outros remédios tiveram crescimento expressivo. Para hidroxicloroquina e o sulfato de hidroxicloroquina, não houve notificação nenhuma em 2019, mas 168 no ano passado. Oito pessoas morreram após o uso. No caso da azitromicina, o país passou de 25 notificações para 82 – números absolutos pequenos, mas que representam um aumento de 228%.

Em tempo: mais uma pessoa morreu após ser submetida à nebulização com hidroxicloroquina. Foi um homem de 69 anos, do Rio Grande do Sul, cuja família não havia autorizado o procedimento. O Ministério Público do estado abriu uma investigação.

Maíra Mathias e Raquel Torres

Maíra Mathias e Raquel Torres são editoras do Outra Saúde.

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