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O ciclo laboral no setor público brasileiro

 

Antônio Augusto de Queiroz1

Luiz Alberto dos Santos2

Introdução 

O objetivo deste texto é tratar do Ciclo La boral no Serviço Público, que inclui desde o  dimensionamento de necessidade de força  de trabalho, o recrutamento e a seleção, a

capacitação e a alocação de servidores, pas sando por remuneração, desenvolvimento  na carreira (progressão/promoção), avalia ção e estabilidade até a aposentadoria, bus cando contribuir com reflexões que possam  ajudar na construção de políticas de Recur sos Humanos ou de Gestão de Pessoas inte gradas e orgânicas.

Trata-se de tema oportuno e fundamental,  especialmente no momento em que o gover no, em lugar de valorizar a melhoria da ges tão dos serviços públicos, propõe diversas  reformas com o nítido propósito de esvaziar  o serviço público, atacando todos os seus  atrativos para o recrutamento de pessoal

qualificado, como são os casos da recente mente promulgada Emenda Constitucional  103/2019 (Reforma da Previdência) e das  Propostas de Emenda à Constituição – PEC  nºs 186 e 188, além da MP 922/2020.

Antes de analisarmos especificamente  cada uma das fases do ciclo, fundamental  quando se pensa em Administração Pública,  gostaríamos de tecer algumas considerações  de natureza crítica a respeito das motiva

ções que justificaram as reformas adminis trativas “gerenciais” ou pós-burocráticas,  em grande medida inspiradas nas reformas  do governo Margaret Thatcher, nos anos 70,  no Reino Unido, e em outros países de cul tura anglo-saxônica, como Estados Unidos,  Nova Zelândia e Austrália, ao longo da déca da de 1980.

As reformas administrativas no mundo  desde a década de 1970, e com maior ênfase  a partir da experiência inglesa, sob o rótulo  de “Nova Gerência Pública”, têm, como re

gra, priorizado a dimensão da eficiência na  perspectiva econômica, com valorização da

1 Jornalista, consultor e analista político, mestrando em Políticas Públicas e Governo na FGV, diretor de Documentação  licenciado do Diap e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diá logo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Púbicas”.

2 Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Administração Pública, Advogado e Consultor Legislativo do Senado Federal.  É também Professor da EBAPE-FGV e da ENAP. Ex-Subchefe da Casa Civil da Presidência da República.

flexibilidade, da produtividade e da redução  de gastos, negligenciando os fins ou o senti do político que deve guiar a administração  pública. Trata-se de tentar transpor, para  o serviço público, concepções da Teoria da  Escolha Racional, alicerce da economia po lítica, em especial a ideia da superioridade  da gestão privada frente à burocracia públi ca, e de que o indivíduo age apenas em seu  próprio interesse, ou que, conforma ilustra  Beetham “as pessoas só são levadas a traba lhar pelos objetivos de uma organização por  meio de incentivos e sanções que alinham os  interesses do indivíduo com o interesse ge ral”, e que, na ausência desses “incentivos  e sanções” ou de supervisores interessados  em sua aplicação, “os indivíduos fugirão ao  trabalho ou farão as suas próprias coisas”3.

Embora proposta em nome da melhoria  da eficiência (fazer mais com menos), da  eficácia (atingir as metas) e da efetividade  (fazer a coisa certa ou atingir objetivos re

levantes) das políticas públicas, e até mes mo de uma noção de ampliação do controle  social, a partir da participação de organi zações externas ao Estado na prestação de  serviços públicos, a abordagem desconhe ce as diferenças entre a gestão privada e a  gestão pública. Com efeito, ela negligencia  questões-chave, como os próprios valores  que orientam a ação da burocracia no setor  público, que não se pauta pela maximização  do lucro, mas busca o atendimento de ne cessidades sociais, a pacificação da ordem  social e o atendimento das aspirações dos  cidadãos, a satisfação de direitos coletivos

e difusos, e a responsabilização diante dos  parlamentos e dos eleitores. Como apon ta Beetham, “administração pública não é,  pois, uma questão de perseguir objetivos es tabelecidos pelos políticos da maneira mais  eficiente em matéria de custos. É uma ques tão de administrar a política de acordo com  os valores que a determinam, entre os quais  as considerações sobre eficiência de custos  podem ter um lugar menor ou maior. Os fins  e os meios ligam-se entre si, por outras pa lavras. A política e a sua administração não  são rigidamente separáveis”4.

A perspectiva de muitas das reformas ge rencialistas ou pós-burocráticas foi a redu ção do gasto e da máquina pública, dentro  da lógica neoliberal de revisão do papel do  Estado na economia e na área social, espe cialmente no provimento de bens e serviços,  tanto que sempre foram apresentadas em  momento de escassez orçamentária e crise  fiscal. Mesmo quando pautadas por gover nos trabalhistas, como na Austrália, a partir  do governo trabalhista de Hawke, eleito em  1983, erigiram a “eficiência” para aperfeiço ar a atuação do Estado e seus “burocratas”  como seu objetivo maior5.

Como regras, essas reformas não priori zam a maximização do bem-estar, median te políticas públicas em favor dos cidadãos,  das populações, dos territórios vulneráveis  e dos desassistidos e nem estão focadas no  combate às desigualdades regionais e de  renda. Pelo contrário, seu objetivo nunca foi  o de assegurar equidade, justiça e partici pação cidadã na formulação e execução das

3 BEETHAM, David. A Burocracia. Lisboa: Ed. Estampa, 1987, p. 52-53.

4 BEETHAM, D. Op. Cit, p. 57-58.

5 Uma das marcas da reforma australiana foi, além da transferência da gestão de pessoal do Public Service Board para o  Ministério das Finanças e da adoção de uma gestão de políticas orientada para resultados, a criação de um Senior Executive  Service para aumentar a capacidade de formulação e implementação de políticas por meio de um corpo de executivos públicos  não vinculados a um departamento específico. Contudo, o viés tecnocrático desse corpo de servidores e o alinhamento incon

dicional com as medidas de ajuste fiscal adotadas acabou distorcendo suas finalidades.

políticas públicas, mas promover ajuste fis cal, privatizar bens e serviços públicos e su postamente melhorar a alocação de recursos  públicos, evitando desperdícios. A experiên cia australiana, embora pouco conhecida, é  emblemática: a inspiração “neogerencial”,  econocrata (mais do que tecnocrata) e fis calista promoveu a vulneração da ética do  serviço público, politizou os escalões supe riores, aumentou a captura do Estado pelos  interesses econômicos, reduziu direitos,  congelou e reduziu despesas, reduziu a equi dade, a transparência e o compromisso dos  servidores com os direitos da população6.  E, como na experiência britânica sob a ges tão Thatcher, apostou no confronto com os  servidores públicos, na sua antagonização  perante a sociedade e na sua desvalorização  enquanto parceiros de um projeto de desen volvimento, reforçando a sua subordinação  aos agentes políticos.

Esses modelos, baseados na lógica de mer cado, não se sustentam na administração  pública e geralmente são questionados pe los usuários de serviços públicos, porque  adotam a lógica da relação cliente-consu midor, uma relação própria para o setor pri vado, mas inadequada para o setor público.  A relação cliente-consumidor se pauta pela  demanda, numa transação de natureza mer cantil ou comercial de troca, enquanto a re lação cidadão se orienta pela necessidade.  A lógica do setor público é a do conceito de  cidadão, que, além da eficiência, pressupõe  equidade e justiça.

Como apontam Dunn e Miller, desde a se gunda metade dos anos 2000 é amplamente  aceito que a Nova Gerência Pública falhou,

na maior parte dos casos, em alcançar os  objetivos defendidos por seus defensores,  particularmente o de alcançar uma organi zação mais eficiente e efetiva nos países em  desenvolvimento7.

Esse receituário com viés fiscal leva a que  os países e governos terceirizem atividades  e privatizem empresas e serviços do Esta do, a partir da premissa de que ao estado  deve caber “dirigir” ou “guiar” a prestação  de serviços por meio de agentes privados, e  não executar ou prestar diretamente os ser viços. E, para tanto, utilizam uma narrativa  que considera o servidor privilegiado, ine ficiente ou caro, além de responsabilizá-lo  por consumir recursos que poderiam ser  destinados a políticas públicas clássicas, es pecialmente nas áreas de saúde, educação e  segurança, como se a realização desses ser viços prescindisse de servidores.

A lógica é reduzir o tamanho da máqui na pública e o prêmio salarial do servidor,  ou seja, aquilo que torna o serviço público  mais atrativo ao cidadão, em especial os de  melhor qualificação, em comparação com o  mercado de trabalho privado. No caso brasi leiro, também não tem sido diferente.

O diagnóstico dos técnicos do governo,  formuladores da reforma administrativa, é  de que o modelo de funcionamento da má quina pública entrou em colapso, especial mente em decorrência: 1) de suposto eleva do custo; 2) de suposta ineficiência; e 3) de  suposta incapacidade de garantir boa gestão  de pessoas.

A consequência do atual modelo, na visão  desses técnicos, seria a combinação de su-

6 Ver THOMPSON, E. Democracy Undermined: Reforms to the Australian Public Service from Whitlam to Hawke. The  Australian Quarterly Vol. 63, No. 2 (Winter, 1991), pp. 127-142.

7 DUNN, William N. & MILLER, David Y. A Critique of the New Public Management and the Neo-Weberian State:  Advancing a Critical Theory of Administrative Reform Public Organiz Rev (2007) 7:345–358

posta baixa qualidade, com gasto elevado, e  de baixa produtividade, com desequilíbrio  fiscal. E, para enfrentar esses problemas, se riam necessárias mudanças na máquina pú blica para: 1) retomar ferramentas de gestão  de pessoas; 2) resgatar o conceito de merito cracia; 3) valorizar ações públicas voltadas  para resultados; e 4) deslocar o foco da má quina estatal para o cidadão.

A narrativa oficial e do mercado é sempre  no sentido de justificar as reformas com base  numa suposta má alocação de recursos, em  supostos desperdícios e ineficiências, e tam

bém numa postura baseada em preconceito  e desmoralização dos servidores públicos.  Autoridades do governo chegam ao absur do de associar o servidor a um “parasita”,  além de acusá-lo de ganhar muito e traba lhar pouco, de ser preguiçoso e corrupto,  bem como de estar capturado ou a serviço  das forças de esquerda.

A reforma administrativa em curso no atu al governo, portanto, tem duplo objetivo,  sendo um de natureza liberal/fiscal e outros

de fundo ideológico. O primeiro busca satis fazer o mercado, com a redução da presença  do Estado na regulação, na exploração da  atividade econômica e no fornecimento de  bens e serviços à população, por meio do des monte da Administração Pública, da tercei rização e da privatização de bens e serviços  públicos. E o segundo atende ao sentimento  revanchista, persecutório e de preconceito  contra os servidores, considerados contrá rios à visão reacionária do governo.

A proposta de reforma administrativa em  debate no governo, infelizmente, está foca da na lógica da produtividade e da avaliação  com caráter repressivo e não como forma de

premiação ou valorização do mérito. A ideia  é vigiar e punir, a exemplo da avaliação de  desempenho para efeito de dispensa por  insuficiência de desempenho, já aprovada  pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998,  mas até hoje não regulamentada, e cuja efe

tiva implementação e ampliação está sendo  proposta em substituição à estabilidade no  emprego.

Esse desenho está fadado ao fracasso. Para  que o Estado tenha melhores condições de  oferecer serviços, em qualidade e quantida de, ele precisa dispor de um quadro funcio nal profissionalizado, adequado e suficien te, o que pressupõe a adoção de critérios  transparentes de recrutamento, seleção, ca pacitação, alocação, remuneração, progres são e preparação para aposentadoria.

Ou seja, deve articular as diversas etapas  do ciclo laboral, estimulando o ingresso no  serviço público dos cidadãos dotados de ca pacidade para tanto, e o seu desenvolvimen to na carreira até a inatividade.

Não se trata de novidades: em todas as  tentativas de reforma esboçadas desde a dé cada de 1930, começando pela “Lei do Rea justamento”, de 1936, essas questões estive ram sobre a mesa e foram consideradas nas  suas formulações e no seu discurso. Mas,  em todas elas, evidenciou-se a incapacida de de formulação e implementação de me didas compreensivas, capazes de superar a  improvisação ou a incapacidade de supera ção do clientelismo ou do patrimonialismo.  A história do serviço público no Brasil é a  história das reformas inconclusas e das difi culdades de implementação de um sistema  do mérito8.

8 Ver SANTOS, L. A. & SOUZA, R. L. S. Mérito, Desempenho, Transparência E Confiança No Brasil: O Ciclo Incom pleto. Disponível em https://politicapublica.wordpress.com/2019/04/17/merito-desempenho-transparencia-e-confianca-no- -brasil-o-ciclo-incompleto/

A Carta de 1988 foi a primeira a adotar so luções plenas para esses problemas, a come çar pela exigência do concurso público para  ingresso em cargos e empregos públicos, ve dando o provimento derivado, a previsão de  regras sobre a estabilidade e regime jurídico,  a remuneração e a aposentadoria. Mas des de que entrou em vigor, foi diuturnamente  atacada, burlada e negada, e tentativas de  “reforma”, como a do Governo FHC, tenta ram retirar os “entraves” por ela estabele cidos. Quase 32 anos depois, a obra incom pleta que foi a sua implementação, mesmo  com as reformas de 1998, requer que antes  de se passar a uma nova fase de “reformas”,  os seus princípios sejam reconhecidos, ho menageados e valorizados.

1. Recrutamento e seleção 

O primeiro passo do ciclo laboral no ser viço público é o processo de recrutamento e  seleção, que consiste em identificar pesso as capacitadas e vocacionadas para servir  ao público, onde quer que elas estejam, e  atrai-las, oferecendo-lhe a oportunidade de  concorrer a uma vaga ou cargo no serviço  público, em troca de remuneração compa tível com as qualificações exigidas e uma  carreira com perspectiva de crescimento na  Administração Pública.

Como regra, a administração pública mo derna, na formação ou reposição de seu  quadro funcional, utiliza os mecanismos  do recrutamento, para atrair candidatos à

ocupação dos postos de trabalho, e da sele ção, que consiste em identificar, entre eles,  o candidato ideal. Ambos têm por objetivo,  portanto, permitir que o Estado possa con tar com o candidato ideal ou adequado às  necessidades ou ao modo de trabalho da or ganização. Não são, assim, formas de gerar  emprego, ou reduzir o desemprego, suprindo  as falhas do mercado de trabalho na  absorção da mão de obra, mas instrumento

de gestão para permitir que o Estado possa  dispor de maneira eficiente de recursos  escassos, contando com o melhor candidato  disponível para o atendimento de suas  necessidades.

Havendo o cargo vago a ser provido, e a  necessidade desse provimento, existem três  formas de ingresso no serviço público, e a  cada uma correspondem diversas formas de  seleção.

A primeira, e mais flexível, é para o exercí cio de cargos em comissão, ou de confiança,  de livre nomeação e exoneração. Para esses  cargos, que somente podem ser usados para  atividades de direção e assessoramento, a  nomeação pode se dar por indicação, que  pode utilizar o parâmetro técnico ou políti co, mas também podem ser usados proces sos seletivos, embora mais flexíveis, para  seleção de candidatos. A atual Constituição  não delimita esses procedimentos, mas há  leis que estabelecem que determinados car gos somente podem ser exercidos por servi dores de carreira.

O art. 37, V, da Constituição Federal, nunca  regulamentado, prevê que as funções de con fiança devem ser exercidas exclusivamente  por servidores ocupantes de cargo efetivo,  e os cargos em comissão deverão ser preen chidos por servidores de carreira nos casos,  condições e percentuais mínimos previstos  em lei. Na ausência de uma lei com essa  definição, decretos têm fixado, em alguns  casos, as regras para isso, como é o caso do  atual Decreto nº 9.727, de 15 de março de  2019, no âmbito do Poder Executivo Federal.

A segunda “porta de entrada” é para o  exercício de atividades que possam ser ca racterizadas como de caráter temporário,  em razão de necessidades de excepcional  interesse público. Para essas contratações,  regidas pela Lei 8.745, de 1993, no âmbito  Federal, não é obrigatória a realização de  concurso, e algumas situações permitem a

contratação direta, enquanto outras reque rem processo seletivo simplificado.

O caráter da temporariedade é dado pela  lei, e depende da atividade. Se for atividade  de caráter permanente do órgão, só se ad mite a contratação temporária pelo tempo  necessário à superação da carência de pes soal, ou para a realização de concurso pú blico. Se a atividade for permanente, mas  a demanda ou volume de trabalho for sazo nal, a duração da contratação deve observar  essa variação. Em nenhum caso, porém, se  admite contratação temporária para exercí cio de atividades regulares e permanentes, e  em condições de normalidade. A Lei 8.745 já  foi alterada diversas vezes, sempre para am pliar, e nem sempre de forma criteriosa, as  possibilidades de contratação sem concurso  e fora do sistema de carreiras. A mais recen te alteração é a Medida Provisória nº 922,  de 2020, que ampliou desmesuradamente  as possibilidades de contratação temporária  no Governo Federal, e que já antecipa algu mas das noções da “reforma administrati va” pretendida pelo atual Governo.

A MP 922 é, com efeito, um preocupante  exemplo de medida de burla às regras bá sicas para a organização do serviço públi co9. Nos termos dessa medida provisória, a  contratação temporária, que deveria ficar  limitada a situações realmente de excepcio nal interesse público, teve seu escopo am pliado, de tal modo que alcança diferentes  situações, algumas delas de caráter emer gencial, enquanto outras por estarem asso ciadas a de aumento do volume de trabalho,  inclusive em atividade como tecnologia da  informação, comunicação e revisão de pro cessos de trabalho, pesquisadores e técnicos

para o desenvolvimento de produtos e ser viços em projetos com prazo determinado  e até atividades relacionadas à redução de  passivos processuais. Além disso, ela per mite a contratação temporária para ativida des “que se tornarão obsoletas no curto ou  médio prazo, em decorrência do contexto de  transformação social, econômica ou tecno lógica, que torne desvantajoso o provimento  efetivo de cargos em relação às contratações  de que trata esta Lei”.

O recrutamento, no âmbito da contratação  temporária, que ficará limitado aos pou cos casos em que não for classificado como  emergência, será feito por processo seletivo  simplificado, sem concurso público, e, de pendendo da área, o contrato temporário  poderá ter duração de seis meses a quatro  ou cinco anos, com possibilidade de prorro gação de um ano. Mas, em pelo menos um  caso, os contratos poderão vigorar por até 8  anos!

Entretanto, quando se tratar de calamida de pública, emergência em saúde pública,  emergência e crime ambiental, emergência  humanitária e situação de iminente risco à  sociedade prescinde-se de processo seletivo,  cabendo ao governo promover a imediata  contratação, sem qualquer outra exigência  de natureza legal.

Além disso, a MPV prevê que servidores  aposentados poderão ser para exercer ativi dades temporárias de excepcional interesse  público, nas alargadas hipóteses propostas  pela própria MPV. Com isso, ela rompe não  somente com o princípio do amplo e livre  acesso a cargos, empregos e funções públi cas, e que não se coaduna com a reserva de  vagas para quem tenha sido servidor públi-

9 Ver QUEIROZ, A. A. & SANTOS, L. A. Governo faz minirreforma administrativa com contratação de temporários.  Disponível em https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/governo-faz-minirreforma-administrativa-com-contrata cao-de-temporarios/

co, como gera uma situação de exploração  de servidores que, ao reingressarem, passa ram a receber apenas 30% da remuneração  a que faria jus outra pessoa não detentora  daquela condição.

Por fim, temos o ingresso em cargos efe tivos, que têm caráter permanente, e que  será sempre por meio de concurso público  de provas, ou de provas e títulos. Ele pode  se dar para o ingresso em cargo de carreira,  ou para cargos isolados, mas sempre de pro vimento efetivo.  

O critério mais adequado para a Adminis tração Pública, sem dúvida, é o do concur so público, porque permite um tratamento  impessoal e igualitário aos interessados,  democratizando o acesso ao serviço público  pelo critério do mérito, evitando a apadri nhamento.

Embora a noção de “meritocracia” não se  esgote na aferição da capacidade do can didato para exercer o cargo público no mo mento do ingresso, devendo estar presente  em todo o percurso da vida profissional,  trata-se de aspecto essencial, evitando o fa voritismo e o clientelismo. No passado, era  comum a contratação de pessoal sem con curso, mediante apadrinhamentos ou em  decorrência de filiações político-partidárias,  como ocorria nos EUA, largamente, quando  vigorava o “sistema de despojos” que a Lei  Pendleton, de 1883, tentou eliminar, com  relativo sucesso. No Brasil, até a vigência da  Carta de 1988, vigoravam diferentes formas  de recrutamento que permitiam que indiví duos ingressassem no serviço público sem  qualquer aferição do mérito em bases im pessoais.

Um sistema do mérito assim concebido, e  isolado de políticas para a superação das de sigualdades existentes na sociedade, pode,  em certos contextos, agravar a desigualda de, e resultar numa barreira ao próprio con ceito de meritocracia. No Reino Unido, a es magadora presença nos escalões superiores

de candidatos egressos de universidades de  elite, e integrantes de famílias abastadas,  é um exemplo disso. Mesmo no Brasil, car reiras tidas como “meritocráticas”, e cujo  ingresso se dava por concurso, foram, por  muito tempo, praticamente reserva de mer cado para a elite.

Com o aumento do acesso ao ensino supe rior no Brasil, e o aumento da mobilidade  social, com o maior acesso das mulheres ao  ensino superior, associado à regularidade  da realização de concursos e a redução do  livre provimento de cargos em comissão e as  regras antinepotismo, além de outros me canismos, como a garantia de vagas às pes soas com deficiência e a Lei de Cotas, essa  situação tende a ser menos presente.

Assim, o concurso público é, nos dias de  hoje, um efetivo instrumento de promoção  social e acesso amplo de todas as camadas  sociais ao serviço público, e essa capacida

de precisa ser potencializada com a adoção  de políticas que reduzam a desigualdade so cial, promovam a melhoria da qualidade da  educação e do acesso ao ensino superior. Em  sentido inverso, o retorno a regras que vigo raram no passado, favorecendo o provimen to derivado, como os “concursos internos”,  ou a adoção de carreiras onde a “promoção”  poderia facilitar o acesso a cargos superio res, de natureza e requisitos de formação  distintos, e com competição limitada ao pú blico interno, tenderia a reduzir essa capaci dade, criando reservas de mercado que não  são compatíveis com o princípio da ampla  acessibilidade aos cargos públicos.

O desenho do concurso, entretanto, deve  ser cuidadoso para encontrar o perfil ideal,  de acordo com as competências desejadas  e as funções a serem desempenhadas. Nes

sa perspectiva deve ir além do domínio de  conteúdos e da capacidade de interpretação,  acrescentando outros critérios de seleção,  entre os quais vocação, probidade, respon

sabilidade, afinidade com as atribuições e

competências do cargo ou carreira.

No âmbito Federal, vigora o Decreto nº  9.739, de 28 de março de 2019, que dispõe  sobre algumas regras, ente elas a clareza  quanto ao limite de aprovados em cada sele

ção, e o critério (nota mínima) para a aprova ção, a possibilidade de realização do concur so em duas etapas, sendo a segunda etapa o  programa de formação, de provas orais, de  aptidão física, de conhecimentos práticos  específicos, e a avaliação psicológica, a ser  sempre realizada após a aplicação das pro vas escritas, orais e de aptidão física, quan do houver. Os requisitos psicológicos para  o desempenho no cargo serão estabelecidos  previamente, por meio de estudo científico  que considere as atribuições e responsabili dades, a descrição das atividades e tarefas  e a identificação dos conhecimentos, habili dades e características pessoais necessários  para sua execução, além da identificação de  características restritivas ou impeditivas  para o cargo.

Aguarda votação pela Câmara dos De putados o Projeto de Lei nº 6004/2013, já  aprovado pelo Senado, estabelecendo regras  detalhadas sobre a realização de concursos  públicos. Contudo, sua tramitação está pa

ralisada na Câmara desde 2013, e foi apen sado a um Projeto de Lei aprovado Senado  em 2003 (PL 252/2003), também paralisa do.

Infelizmente, a ausência de uma regula mentação adequada do instituto do concur so público tem favorecido o “concurseiro”,  que é o sujeito preocupado apenas e exclusi vamente com a remuneração, sem qualquer  vocação ou compromisso com a missão pú blica.

Apesar de recrutado em bases competiti vas, mas por concursos públicos que apenas  aferem conhecimentos teóricos, em regra,  esse tipo de servidor troca de cargo como se  troca de camisa. Não tem real compromisso

com a função pública ou identificação com  o cargo que exerce, e vive permanente estu dando para passar em outro concurso que  remunere melhor. Isto quando não acontece  o fenômeno da porta giratória, evidenciada  pela ocupação de cargo público apenas com  o objetivo de adquirir competências e con tatos necessários para se credenciar a ser  consultor ou vir a atuar como executivo ou  mesmo lobista nos setores lucrativos da ini ciativa privada, numa verdadeira traição do  ideal de um servidor público.

As provas, que devem ser diferenciadas  em função da natureza e complexidade dos  cargos ou empregos públicos, precisam le var em consideração as competências dese jadas para o desempenho dos processos de  trabalho, em conformidade com a missão  do órgão ou entidade que promove o recru tamento. Deve ser valorizada a experiência  prévia, seja no serviço público, seja em ati vidades privadas, mas que sejam relevantes  para o cargo a ser exercido. Exames psico técnicos, que avaliem o perfil dos candida tos, sua capacidade de resposta a situações  reais de trabalho e solução de problemas,  devem ser adotados, sempre que possível,  para que seja selecionado o melhor candida to para a situação real que será enfrentada  no dia a dia.

As eventuais falhas do processo de recru tamento e seleção devem ser corrigidas com  a capacitação, que não pode nem deve se li mitar ao período do estágio probatório.

2. Capacitação 

O segundo passo do ciclo, é a capacitação,  que inicia logo após a admissão, com os cur sos de formação, e que deve ser permanen te. Esse processo, naturalmente, valoriza o  conceito de competência e é desenvolvido  considerando as atribuições do cargo, que  devem ser amplas a ponto de permitir a evo lução ou promoção do servidor nos diversos

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níveis de responsabilidade e complexidade  ao longo da carreira. Contudo, não podem  ser tão amplas que inutilizem o concurso  como forma de recrutamento para uma fun

ção específica, onde as atribuições possam  ser suficientemente diferenciadas e caracte rizem, de fato, uma carreira. 

A EC 19/98 inseriu na Constituição a pre visão de que a União, os Estados e o Distrito  Federal manterão escolas de governo para a

formação e o aperfeiçoamento dos servido res públicos, constituindo-se a participação  nos cursos um dos requisitos para a promo ção na carreira, facultada, para isso, a ce lebração de convênios ou contratos entre os  entes federados.

Esse mandamento constitucional, contu do, tem sido largamente ignorado; a maior  parte das Carreiras não condiciona a pro moção à aprovação em cursos de aperfeiço amento. E mesmo quando há essa previsão,  raramente ela é cumprida de forma satisfa tória. As Escolas de Governo, quando exis tentes, tem programação irregular, muitas  vezes apenas voltada a cumprir formalida des, e não, efetivamente, a qualificar o ser vidor para os desafios de sua atuação profis sional.

Assim, a capacitação não se destina  apenas aos servidores com desempenho  insuficiente ou insatisfatório, mas a todos  que desejem uma melhor qualificação, e de

veria ser um pré-requisito para o desenvol vimento na própria Carreira.

Além de corrigir eventuais falhas no pro cesso de recrutamento e seleção, ela também  oferece oportunidade de desenvolvimento

de competências, concomitantemente à evo lução na carreira.

A capacitação, como o próprio nome diz,  destina-se a preparar o servidor para exe cutar tarefas mais complexas, inclusive  cargos ou funções de chefia ou assessoria,

reduzindo, inclusive, a necessidade de que  o Governante recorra ao livre provimento,  que ocorre quando um cargo de direção ou  assessoramento é provido por quem não é  servidor efetivo.

Entretanto, mesmo possibilitando a ocupa ção de postos de chefia e de assessoramento,  alguns até de livre provimento, a capacitação  não assegura a mudança de cargo dentro da

carreira, porquanto o ingresso ou a investi dura em cargo efetivo, no caso brasileiro, só  é possível mediante concurso público. O pró prio conceito de “Carreira” pressupõe que as  classes em que as carreiras são escalonadas  reflitam complexidade e responsabilidade  crescentes, mas não uma “desnaturação” do  cargo, ou seja, o desenvolvimento em carrei ra não implica em ingressar num cargo X, e  por meio desse mecanismo, passar a exercer  com atribuições totalmente distintas.

Por outro lado, o desenho de uma carreira  não pode se dar de forma a que seus con teúdos atributivos sejam excessivamente  limitados, como se a ultra-especialização  numa tarefa altamente complexa, ou mes mo de pequena complexidade, seja capaz de  justificar a sua existência. Esse é o grande  desafio dos sistemas de carreira: desenhar  carreiras cujos conteúdos atributivos sejam  suficientemente específicos para justificar  o provimento em bases técnicas, mas sufi cientemente amplos para evitar que haja  desmotivação ou desperdício de capacida des que possam ser desenvolvidas ao longo  da própria carreira. Cargos genéricos, aos  quais possam ser atribuídas quaisquer ta refas, não atendem a esses pressupostos, e  tornam inviável a própria gestão de um sis tema de oportunidades em bases impesso ais e meritocráticas.

A política de capacitação, mediante treina mento, também se destina a identificar ta lentos na administração pública, que devem  ser aproveitados ou alocados de acordo com

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as necessidades dos setores, órgãos ou ins tituições, exigindo um sistema de gestão de  oportunidades de acesso a funções de chefia  ou assessoramento, que devem, tanto quan to possível, ser atreladas aos critérios de  promoção na Carreira. A ausência de uma  política permanente para essa finalidade  acaba tornando o servidor excessivamente  dependente de seu capital de relações ou re des de contatos, para exercer cargos ou fun ções de direção e assessoramento e, assim,  vulnerável a processos de captura e até mes mo à corrupção. Ademais, a inexistência de  regras claras que assegurem, como ocorre  na Carreira militar, ao servidor promovido  em sua carreira o exercício de atribuições  cujo nível de responsabilidade seja alinhado  com a sua experiência e qualificação, acaba  por vezes levando ao subaproveitamento e  ao desestímulo, quando não à acomodação,  do servidor. Essa situação é o verdadeiro  “túmulo” do sistema do mérito, revelando  desperdício de recursos, incapacidade de  gestão e até mesmo a clientelização da má quina pública.

3. Alocação 

A alocação adequada é um dos pressu postos para a otimização dos processos de  trabalho, na medida em que potencializa o

desempenho das funções e da própria insti tuição. Além disso, contribui para disponi bilizar servidores com perfil compatível com  a tarefa ou função, evitando tanto a inade quação entre o servidor e sua tarefa, quanto  a contratação desnecessária de novos servi dores. Com isto, supera ou supre eventuais  insuficiência em setores-chave do órgão ou  entidade da administração pública.

Dimensionar a força de trabalho a partir  de perfis e necessidades vinculadas aos ma croprocessos de trabalho e que atendam às  mudanças tecnológicas e às novas deman das oriundas do sistema político e da socie

dade, de forma a permitir a sua adequada  alocação, é uma tarefa complexa, e que re quer atualização permanente. É esse plane jamento que evita o subaproveitamento do  servidor, o inchaço dos quadros ou, no outro  extremo, a sobrecarga de trabalho e os ele vados níveis de estresse associados.

A definição de processos racionais e trans parentes de alocação é fundamental para um  ambiente de trabalho eficiente e cooperati vo, com servidores motivados e detentores  de competências para prestar bons serviços  à sociedade. Por isso, o processo de alocação  deve considerar os conhecimentos, as habi lidades e atitudes dos servidores, evitando  a subjetividade e minimizando as influên cias políticas, de sorte a reunir pessoas, em  quantidade e qualidade, capazes de atender  às expectativas do setor, órgão ou institui ção e sua clientela: o cidadão que depende  daquele serviço.

A mobilidade geográfica, ou entre institui ções, deve ser gerida de forma a valorizar  o mérito e potencializar o melhor aprovei tamento dos indivíduos, mas sem gerar si tuações de favorecimento individual. Gerir  adequadamente as remoções e transferên cias, assim, é um aspecto essencial dessa  questão. Já a mobilidade interinstitucional  dependerá do perfil do cargo e do servidor:  ela será, necessariamente, limitada em fun ção do caráter do cargo. Cargos generalistas,  como os de Executivos Públicos, à semelhan ça dos Senior Executives dos EUA, Canadá e  Austrália, ou dos Gestores Governamentais  do Governo Federal e de vários Governos Es taduais, no Brasil, assim como cargos admi nistrativos, cujas atribuições são comuns a  muitos órgãos, devem ter flexibilidade em  sua alocação e movimentação, precisamen te porque seu aproveitamento é facilitado  pelas suas competências. Já profissionais da  educação, ou da saúde, ou da Administração  Tributária, ou da segurança pública, terão  alocações mais restritas, ou mesmo exclusi-

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vas, sob pena de desvirtuamento da própria  natureza de seus cargos.

Nessa perspectiva, a adoção de carreiras  com regras muito rígidas ou perfis atributi vos excessivamente limitados pode dificul tar ou impedir a distribuição de servidores  de acordo com a necessidades do órgão e a  vocação individual do servidor.

Assim, as carreiras horizontais são as que  mais possibilitam a mobilidade, na medida  em que combinam as vocações e interesses  dos servidores com as exigências ou neces

sidades profissionais dos setores, órgãos ou  instituições do serviço público. Seu uso, po rém, é limitado, e jamais substituirá cargos  ou carreiras específicas ou especializadas,  constituídas para atender necessidades se toriais e indelegáveis.

Nesse sentido, é fundamental se discutir  estratégias que superem a rigidez imposta  por algumas carreiras, notadamente em áre as-meio, que dificultam a alocação, inclusi ve temporária, de servidores para o exercício  de suas funções, via de regra determinadas  por uma visão segmentada de planos de car gos ou carreiras por órgão ou entidade, mas  que não se justificam à luz da necessidade  de especialização.

4. Remuneração 

Em países em desenvolvimento, como o  Brasil, em que a renda média do trabalho é  muito baixa, a remuneração é um dos prin cipais atrativos na Administração Pública,  tanto para o processo de recrutamento e se leção de servidores, quanto para a perma nência do servidor em atividade até a apo sentadoria.

Já em países desenvolvidos, a atrativida de do serviço público costuma ser menor. A  existência de um mercado de trabalho pri vado mais competitivo, com renda média  mais alta, e um patamar de desenvolvimen

to econômico e social mais elevado, leva a  que muitos indivíduos considerem pouco  atrativa a carreira pública.

Assim, em países como o Brasil, e particu larmente no âmbito subnacional, qualquer  política de recursos humanos ou de gestão

de pessoas deve considerar o “sistema remu neratório” como um tema central, inclusive  com a perspectiva de crescimento ao longo  da jornada laboral.

Como regra, os parâmetros para a defini ção de salário são buscados no setor priva do, e, na ausência de atribuição semelhante  na iniciativa privada, a referência passa a  ser a complexidade e responsabilidade do  cargo ocupado pelo servidor. A Constituição  determina, no art. 39, § 1º, que a fixação dos  padrões de vencim

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