Com fórmula de best seller, ‘O Tigre Branco’ explora as filigranas de amor e ódio contidas na servidão à indiana. Na Netflix
Por Carlos Alberto Mattos
Créditos da foto: (Divulgação)
“A maior democracia do mundo”, repete ironicamente o protagonista-narrador de O Tigre Branco (The White Tiger), referindo-se à Índia. “O futuro será dos amarelos e dos marrons”, repete ainda Balram (Adarsh Gourav) em sua pretensa carta ao então primeiro-ministro chinês em visita a Delhi em 2007. O filme de Ramin Bahrani tem no pano de fundo um retrato ácido da ascensão da Índia no mercado global de serviços e eletrônica à base de corrupção e exploração das castas inferiores. É baseado no best seller homônimo de Aravind Adiga, jornalista econômico que já passou pelo Financial Times e pelas revistas Money e Time. Ao que me consta, a observação da máquina capitalista está na base do seu romance.
O capitalismo indiano é um dos mais selvagens do mundo, pois se baseia na religião e no fatalismo social. Quem nasce no lado “escuro” está condenado à pobreza e à exclusão pelo resto da vida. Balram é um jovem nascido em aldeia miserável, mas tocado por uma centelha de ambição. Ele quer servir bem e ser recompensado por isso. Conquista um emprego de motorista numa família de mafiosos e vai para Delhi lamber as botas do patrão. Quando o filme começa, Balram já é um empresário bem sucedido em Bangalore que ambiciona se associar à China. Os flashbacks contarão a história de como ele chegou até ali.
As comparações que tenho visto com Parasita, a meu ver, estão longe de proceder. No filme coreano, os ardis da família para obter os empregos formam uma cadeia coesa de acontecimentos que explode no terceiro ato. O Tigre Branco, ao contrário, permanece num mesmo patamar pela maior parte de seus 125 minutos, deixando o desenlace esperado para um ato final implausível e dramaturgicamente pobre porque contado, e não vivenciado na tela. Em compensação, se Parasita descrevia um caso de pura vampirização, o filme indiano explora as filigranas de amor e ódio contidas na servidão.
Há um acúmulo de pequenos episódios destinados somente a ilustrar o funcionamento do abismo de classes na Índia, quase sempre comentados pela narração mordaz de Balram. O rapaz é explorado e chantageado tanto pelos patrões quanto pela própria família. À metáfora da jaula de galinhas para o notório conformismo dos desassistidos na Índia se contrapõe à do tigre branco, animal raro que só surge um a cada geração. Balram seria essa exceção à regra: ele escapa da jaula levando a um extremo individual o que o sistema faz coletivamente. Da submissão à subversão, sua passagem é brutal e brutalmente amoral.
Ninguém sai aborrecido desse filme ágil, comunicativo e muito bem interpretado. Mas a fórmula de best seller transparece na enunciação explicativa, no excesso de subplots, na visão demonstrativa das ruas indianas e na forma prosaica com que apresenta sua resolução.
“A maior democracia do mundo”, repete ironicamente o protagonista-narrador de O Tigre Branco (The White Tiger), referindo-se à Índia. “O futuro será dos amarelos e dos marrons”, repete ainda Balram (Adarsh Gourav) em sua pretensa carta ao então primeiro-ministro chinês em visita a Delhi em 2007. O filme de Ramin Bahrani tem no pano de fundo um retrato ácido da ascensão da Índia no mercado global de serviços e eletrônica à base de corrupção e exploração das castas inferiores. É baseado no best seller homônimo de Aravind Adiga, jornalista econômico que já passou pelo Financial Times e pelas revistas Money e Time. Ao que me consta, a observação da máquina capitalista está na base do seu romance.
O capitalismo indiano é um dos mais selvagens do mundo, pois se baseia na religião e no fatalismo social. Quem nasce no lado “escuro” está condenado à pobreza e à exclusão pelo resto da vida. Balram é um jovem nascido em aldeia miserável, mas tocado por uma centelha de ambição. Ele quer servir bem e ser recompensado por isso. Conquista um emprego de motorista numa família de mafiosos e vai para Delhi lamber as botas do patrão. Quando o filme começa, Balram já é um empresário bem sucedido em Bangalore que ambiciona se associar à China. Os flashbacks contarão a história de como ele chegou até ali.
As comparações que tenho visto com Parasita, a meu ver, estão longe de proceder. No filme coreano, os ardis da família para obter os empregos formam uma cadeia coesa de acontecimentos que explode no terceiro ato. O Tigre Branco, ao contrário, permanece num mesmo patamar pela maior parte de seus 125 minutos, deixando o desenlace esperado para um ato final implausível e dramaturgicamente pobre porque contado, e não vivenciado na tela. Em compensação, se Parasita descrevia um caso de pura vampirização, o filme indiano explora as filigranas de amor e ódio contidas na servidão.
Há um acúmulo de pequenos episódios destinados somente a ilustrar o funcionamento do abismo de classes na Índia, quase sempre comentados pela narração mordaz de Balram. O rapaz é explorado e chantageado tanto pelos patrões quanto pela própria família. À metáfora da jaula de galinhas para o notório conformismo dos desassistidos na Índia se contrapõe à do tigre branco, animal raro que só surge um a cada geração. Balram seria essa exceção à regra: ele escapa da jaula levando a um extremo individual o que o sistema faz coletivamente. Da submissão à subversão, sua passagem é brutal e brutalmente amoral.
Ninguém sai aborrecido desse filme ágil, comunicativo e muito bem interpretado. Mas a fórmula de best seller transparece na enunciação explicativa, no excesso de subplots, na visão demonstrativa das ruas indianas e na forma prosaica com que apresenta sua resolução.