Giovanna e Thiago enfrentaram a covid-19 em casa
No começo da pandemia, seus pais e uma tia-avó pegaram covid-19. Hoje, o garoto parece ainda impactado. “Tenho medo do coronavírus porque ele já matou muitas pessoas em um só dia”, conta. Já a menina diz não ter mais medo do vírus, mas, mesmo assim, opina que só reabriria a escola quando todos estivessem vacinados. “Porque se voltarmos para a escola, mesmo com máscara, alguém pode estar com coronavírus e contaminar as crianças”, afirma.
Os pais de Gregório Bitencourt Peruzzato, de 6 anos, também tiveram covid-19 no início da pandemia. Moradores de Porto Alegre (RS), que já registrou mais de 117.000 casos e mais de 4.000 mortos, a família enfrentou o vírus com tranquilidade. “Eles não tinham muitos sintomas”, afirma o menino. Ele acreditava ter pego a doença também, mas de forma “assintomática”. Seu exame, entretanto, deu negativo. Neste ano, Greg teve apenas um dia de aula presencial em sua escola particular, mas ele gosta de estudar pelo computador. “É a mesma coisa que estudar na escola”, afirma. Para conversar com os amigos “é só abrir o microfone”, diz o menino que acha “bem difícil” aprender a ler e acredita que “não sai de casa porque o governador mandou”.
No imaginário do pequeno Greg, a realidade se mistura com as teses conspiratórias que encontra no ambiente virtual. “Os chineses tiveram a ideia de fazer sopa de morcego, foi o que meu amigo me disse. Minha mãe diz que não é verdade, mas eu acredito nele”, diz o menino.
“Minha professora não tem computador”
Assim como Greg, Ísis Beatriz Marinho Osowski, de 6 anos, também está em processo de alfabetização. A cada 15 dias, seus pais buscam uma apostila na escola da rede pública de Ji-Paraná, município do Estado de Rondônia localizado na confluência dos rios Machado e Urupá. A cidade de quase 129.000 habitantes teve quase 15.000 casos de covid-19 e 394 óbitos. “Eu estou aprendendo o alfabeto”, diz a menina, animada com a conversa pelo Zoom. E também a contar até 50, com a ajuda do irmão, Pedro Diógenes Marinho Osowski, de 8 anos. O menino teve aula on-line pelo Meeting em 2020, mas a professora teve dificuldades com seu equipamento neste ano. “Minha professora não tem computador”, conta Pedro.
Bia e Pedro encaram a desigualdade no acesso à tecnologia
O Congresso chegou a aprovar um projeto de lei que definia que o Governo federal destinasse 3,5 bilhões de reais para Estados e municípios aplicarem em ações para a garantia do acesso à internet para estudantes e professores da educação básica. Mas o Governo Bolsonaro vetou o projeto no último dia 19 de março. Agora, Pedro também realiza as atividades por meio de apostila. As dúvidas são tiradas pelo WhatsApp da professora.
Em Belo Horizonte (MG), o estudante Antonio Guimarães Mendes, de 13 anos, sabe da importância de ter estrutura para poder se desenvolver na educação a distância. Aluno da rede privada, o menino se mudou da capital paulista para a capital mineira no final de 2019, e teve pouco tempo para se adaptar à escola nova. As medidas para combater o coronavírus no Estado fizeram com que as aulas seguissem o esquema remoto, apesar da pressão dos pais de alunos, especialmente da rede privada, para liberação das aulas presenciais. Com pouco mais de 2 milhões de habitantes, Belo Horizonte já teve mais de 3.200 mortos e 141.000 casos de coronavírus.
Antonio não conseguiu fazer amigos ainda, mas o ensino a distância surpreendeu. “Eu me senti mais motivado, fui um aluno mais participativo. Minhas notas melhoraram”, diz o estudante. Para ele, a troca de plataforma ajudou. “Sempre curti redes sociais e internet. Misturou a aula e coisas que eu gosto: ir para a escola e ficar no computador”, conta. O adolescente entende que sua realidade não é a mesma de todos os estudantes, por isso defende que é equivocado o debate sobre uma possível abertura das escolas particulares mesmo que as públicas estejam fechadas. “A prioridade de retorno presencial deve ser da escola pública”, afirma, destacando que isso só pode ocorrer quando houver queda no número de casos. “Mesmo se a escola voltasse agora, minha mãe não iria deixar. O máximo que saio hoje é descer [no pátio do prédio] ou dar uma volta de carro para não enlouquecer.”
“Tem gente que não aprende”
Ficar em casa, se puder, usar máscara e manter distanciamento social. Esse é o mantra de todas as crianças ouvidas pela reportagem. “Mas tem gente que não aprende”, afirma Isabella Gonsalves Felix, de 12 anos, antes de ser cortada pelo irmão mais novo. “É só seguir o que diz a propaganda [da TV]”, diz o estudante da rede particular de São Paulo, Alicides Batista Gonsalves Netto, 7 anos.
Isabella e Netto criticam o ensino a distância
Alunos da rede particular na zona Sul de São Paulo (SP), os irmãos acham que não aprenderam tudo o que era necessário no ano passado. “Ficar longe dos professores é ruim, é mais difícil se concentrar em casa, por conta dos barulhos extras”, diz Isabella, que admite ter demorado para se adaptar ao estudo on-line. Por isso, ela gostaria que o Governo priorizasse a volta às aulas, apesar de concordar que no momento atual não é possível. “Só quando chegar na fase verde e baixar o número de casos”, espera Isabella. Netto, por sua vez, tem a solução para baixar os casos de forma mais rápida: “Fecha tudo, fecha tudo”.
Ana Vitória Borges Lemos, de 9 anos, de Oeiras, a primeira capital do Piauí, também defende que faltam ações para conscientizar as pessoas dos perigos do vírus. “Tem que passar carro de som falando para as pessoas ficarem em casa, usar máscara”, lembra a estudante da rede pública da cidade de pouco mais de 37.000 habitantes. “A gente não pode obrigar ninguém a usar máscara, mas dá vontade”, afirma a menina, preocupada com o avanço do vírus em sua região. Já são mais de 3.000 casos e 49 mortes.
A estudante da rede municipal mantém uma rotina animada no ensino a distância, realizado por meio de apostilas, celular e aulas pelo rádio. “Consigo aprender direito, mas não é a mesma coisa”, diz. É sua mãe, que, mesmo trabalhando o dia inteiro, responde pelo WhatsApp todas as dúvidas da estudante, que passa o dia em casa, com sua avó. O momento mais alegre é quando começa a aula na rádio, que tem uma musiquinha divertida que a faz sair dançando pela sala. Ali, ela aprende de tudo, língua portuguesa, matemática, ciências. Essa animação toda tem um lado ruim. “Os adultos não entendem como é que a gente não aguenta sobreviver longe da escola”, afirma. A menina, como toda criança, mantém uma esperança inabalável na vacina, mas por via das dúvidas não se esquece de rezar para que a pandemia logo acabe. “Com fé em Deus voltamos até o final do ano para a escola.”
El País