Três anos após o primeiro caso de covid-19, Brasil mostra desaceleração na incidência de vítimas pela doença, no entanto, está longe do cenário ideal
(crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
Pouco mais de três anos após o primeiro caso registrado de covid-19 no país, o Brasil atingiu a marca de 700 mil mortos pela doença nesta terça-feira (28/3). Os dados são do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e apontam, ainda, o menor número de óbitos desde o início da pandemia em março de 2020, indicando uma queda significativa após a vacinação em massa.
Embora os números do relatório indiquem uma queda expressiva no número de mortes, especialistas ainda avaliam o cenário como “crítico”. Segundo eles, apesar de se tratar de um número menor do que nos outros anos, ele segue sendo um registro muito alto em relação a outras doenças infecciosas que causam grande impacto no Brasil.
“A covid segue sendo uma das principais causas de doenças infecciosas, e isso é um problema muito grande, milhares de pessoas ainda morrem e nós não conseguimos controlar efetivamente essa doença. É lógico que teremos que aprender a conviver com ela, mas lutando para garantir a maior qualidade de vida para nossa população. Tendo como referência o maior pico, os números caíram mas ainda temos a transição da doença e temos aí pessoas que estão evoluindo para um cenário grave”, pontua Jonas Brant, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB).
O intensivista do Hospital Brasília e coordenador do núcleo de doenças respiratórias do centro de saúde, Rodrigo Biondi, por sua vez, aponta a queda no número de óbitos como consequência positiva da vacinação em massa. “Hoje a gente tem na faixa de cem a duzentos óbitos diários e com certeza essa baixa tem relação com as vacinas. Quando você faz um paralelo entre o número de vacinados e ele está perto dos sessenta por cento da população vacinada, isso gera uma queda de óbitos e ela é expressiva e muito importante. De tal forma que é extremamente incomum hoje a gente ver um paciente com covid nas UTIs”, explica Rodrigo.
De acordo com os especialistas, também há uma mudança no perfil daqueles que são acometidos com o vírus. “Tem meses que não vejo um jovem com covid por conta dos programas de vacinação, quando tem casos de óbitos, eles acontecem em pacientes extremamente frágeis com doenças oncológicas ou hematológicas, tipo leucemia ou câncer em tratamento ou pacientes muito idosos. Isso faz a gente entender exatamente qual o perfil das pessoas que chegam a um fase mais grave da covid hoje”, aponta o intensivista Biondi.
A resistência em relação a vacina por pessoas que não tomaram o imunizante ou não estão com as devidas doses de reforço em dia, também contribui para que o número de óbitos continue expressivos. “O coronavírus sofreu mutações. Então, atualmente o vírus da covid consegue escapar das vacinas iniciais que nós utilizamos e estas imunidades dessas pessoas já não lembram do vírus, porque depois de seis meses essa imunidade começa a diminuir”, explica o epidemiologista Jonas.
Contextualizando o cenário, Jonas aponta que tem pessoas que tomaram apenas uma dose da vacina, ou até mesmo duas, mas isso não é o suficiente para zerar o número de casos e de mortes por covid. “Muitas pessoas não estão tomando reforço para garantir a alta imunidade. A vacina da covid foi desenvolvida num tempo recorde. E ela funciona muito bem. Mas ela não é uma vacina que eu consigo tomar uma vez só e garantir imunidade pra sempre. E isso é uma limitação desta tecnologia que nós temos hoje”, pontua.
importância da vacinação e suas doses de reforço
O Brasil teve a sua fase mais letal da covid-19 em abril de 2021, quando o país alcançou a marca de 400 mil mortes. Em apenas trinta e seis dias, foram 100 mil mortes registradas. Na época, o país tinha pouco mais de 14% da população vacinada com uma dose. A imunização mudou o curso da pandemia, mostrando que era a melhor forma para a proteção contra casos graves de covid.
Hoje, segundo o vacinômetro do Ministério da Saúde, mais de 510 milhões de doses já foram aplicadas no país, seja primeira, segunda ou dose de reforço. “O governo mudou a estratégia, é nítida a mudança com o novo governo. Nós temos agora mensagens claras das autoridades e nos meios de comunicação sobre a importância da vacinação, sobre a importância de buscar a vacina, mas ainda não temos o efeito esperado, após anos de mensagens confusas e distorcidas sobre a importância da vacinação”, argumenta Jonas Brant sobre ainda não ter o resultado esperado.
Em um novo cenário, o epidemiologista aponta a necessidade de reconstruir a confiança nas vacinas e no sistema de saúde, tendo como um dos principais desafios conquistar a atenção primária. Segundo ele, é necessário que frascos menores com menos doses de vacina sejam disponibilizados, para que todas as unidades de saúde possam ter as vacinas. Hoje, como os frascos ainda são para várias doses, muitas vezes as equipes de secretarias municipais de saúde estão concentrando as vacinas em algumas unidades e isso faz com que existam barreiras de acesso para os cidadãos.
“A pessoa se organiza para ir num determinado posto de saúde, em um determinado horário pra depois ir pro trabalho ou na saída do trabalho e não consegue o acesso à vacina porque ela tem que ir em outra unidade, em horário que é incompatível com ela. Então ainda temos algumas barreiras de acesso para poder resolver, mas as mensagens hoje já mostram claramente uma intenção de engajar a população para um problema sério e para melhoria da cobertura vacinal”, explica o epidemiologista.
O especialista destaca ainda a necessidade de se atentar às doses de reforço, uma vez que a imunização contra todas as doenças respiratórias tem essa necessidade. A vacina da gripe, por exemplo, tem dose de reforço porque há inúmeras mudanças em várias questões e isso diminui a eficácia ao longo do tempo.
O Brasil foi bem sucedido na vacinação?
A emergência sanitária foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. No Brasil, o enfrentamento ao vírus esbarrou em posturas negacionistas do então governo federal, na desigualdade social e em uma rede de saúde com estruturas precarizadas, apesar de altamente capilarizada.
Correio Braziliense