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César Dario: Sobre a violência psicológica contra a mulher

Por César Dario Mariano da Silva

A Lei nº 14.188, de 28 de julho deste ano, a fim de proteger a mulher contra investidas que atinjam sua saúde mental, inseriu em nosso ordenamento jurídico o tipo penal com o nome jurídico de “violência psicológica contra a mulher”. Diz o dispositivo: “Artigo 147-B — causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”.

O novo tipo penal praticamente repetiu o disposto no inciso II, do artigo 7º, da Lei Maria da Penha, que diz:

“Artigo 7º são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(…)
II
 a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

O bem jurídico protegido é a saúde mental da mulher. Procura a norma preservar o emocional da mulher contra investidas criminosas de todas as ordens, que comprometam sua saúde psicológica e autodeterminação.

Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser autor desse delito (crime comum).

Por outro lado, o sujeito passivo (vítima) é a mulher, pessoa do sexo feminino. Não alcança o transexual, mesmo que obtenha a retificação do seu registro civil. Mulher é aquela que nasce mulher, ou seja, que em tese possa procriar e ser mãe. O transexual pode até parecer mulher, mas não o é para efeitos do Direito Penal, que pressupõe condição de vulnerabilidade do gênero, o que na maioria das vezes não ocorre com o transexual, que tem a força e compleição física do homem, pelo menos em regra. Além do mais, em Direito Penal não é possível empregar a analogia in malam partem, que violaria o princípio da legalidade.

A conduta típica consiste em causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, seus comportamentos, suas crenças e suas decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

O verbo do tipo é causar, que significa ensejar, resultar, ocasionar.

O objeto da conduta é o dano emocional, isto é, aquele que fere a saúde psicológica. Não se trata, assim, de mero aborrecimento, mas de resultado significativo ao estado psíquico da mulher.

Por isso, o dano emocional deve prejudicar e perturbar o pleno desenvolvimento da vítima ou visar a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

O sujeito ativo deve agir mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação da ofendida.

Referidas condutas são meramente exemplificativas. Podem, assim, ser praticadas outras semelhantes. Cuida-se de interpretação analógica, segundo a qual o próprio dispositivo determina que se aplique analogicamente o preceito, dando exemplos anteriores. Há uma fórmula casuística exemplificativa e outra fórmula genérica como desfecho.

Com as condutas descritas na norma, ou outras que lhes sejam semelhantes, o agente produz dano à saúde mental da mulher, no que é concernente ao seu emocional, que prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento. Ou ainda, com o dano emocional produzido, procura arruinar ou ter o controle das ações da ofendida, comportamentos, crenças e decisões.

Infelizmente, ainda é comum, principalmente homens, com o intuito de controlar sua esposa ou companheira, praticamente destruir sua autoestima, mediante ameaças, humilhações, isolamento e outras diversas condutas desse tipo. Não raras vezes o resultado é catastrófico, resultando em diversas doenças ou perturbações mentais, notadamente depressão, ansiedade e outras do gênero.

Pensamos se tratar de delito habitual, pressupondo reiteração de atos. Uma ou poucas condutas não se adequam ao tipo penal, até porque para que ocorra o dano psicológico à ofendida se exigem várias condutas.

É importante ressaltar que o delito é subsidiário. Portanto, somente será aplicado se não constituir crime mais grave, como cárcere privado, tortura, extorsão, entre outros cuja pena seja superior e mais severa. Nesses casos, o crime menos grave funciona como norma de reserva e somente incidirá se a conduta praticada não corresponder a delito mais grave.

O crime é eminentemente doloso, isto é, necessita de ação livre e consciente voltada para seu resultado, que é o dano psicológico à ofendida. Não existe, assim, a forma culposa, cujo resultado resulta de imprudência ou negligência do agente. Por outro lado, pode o sujeito agir com dolo eventual, no caso de, embora não querer, com sua conduta assumir o risco de produzir o resultado e o tolerar.

O delito estará consumado com o dano emocional causado à ofendida, que enseje os demais resultados previstos na norma. Por ser crime habitual, que pressupõe reiteração de atos, não é possível a tentativa.

Cuida-se de norma penal de suma relevância e muito bem-vinda.

César Dario Mariano da Silva é procurador de Justiça do MP-SP, professor, palestrante, mestre em Direito da Relações Sociais pela PUC-SP, especialista em Direito Penal pela ESMP-SP e autor de diversas obras jurídicas, entre elas “Comentários à Lei de Execução Penal”, “Manual de Direito Penal”, “Lei de Drogas Comentada”, “Estatuto do Desarmamento”, “Provas Ilícitas” e “Tutela Penal da Intimidade”.

Revista Consultor Jurídico

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