Por Nayara Ferreira Marques da Silva
Antes de escrever este texto, fiz uma busca despretensiosa no Google com as seguintes palavras: trabalho externo.
Incrivelmente, deparei-me com vários textos em blogs não jurídicos dando dicas de como controlar a jornada do trabalhador externo, indicando aplicativos, softwares e tudo o mais, o que me deixou deveras espantada.
Havia até um texto sobre como controlar a jornada dos seus trabalhadores externos.
Nesse contexto, acho importante, primeiro, desmistificar a diferença entre teletrabalho, trabalho externo e home office, principalmente neste momento de pandemia, em que a maioria das empresas adotou este último como forma de proteger os colaboradores e clientes.
O teletrabalho, apesar de já adotado por diversas empresas antes de 2017, apenas foi regulamentado pela Lei 13.647/17 (reforma trabalhista), que inseriu as regras do referido regime nos artigos 75-A a 75-E, da CLT.
Cabe aqui um adendo a fim de ressaltar que, mesmo antes da reforma, a CLT possuía uma tímida previsão, em seu artigo 6, que facultava a realização das atividades laborais na residência do empregado ou à distância.
Atualmente o artigo 6, CLT, foi reformulado pela Lei 13.647/17, incorporando conceitos de subordinação objetiva e estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (DELGADO, 2017, p.1023).
O teletrabalho, por sua vez, não precisa ser realizado, necessariamente, na residência do empregado (DELGADO, 2017, p.1023) e ganhou forma robusta com a reforma trabalhista.
Nesse sentido, de acordo com a norma, considera-se teletrabalho a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação”, que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Aqui convém ressaltar que a lei deixa claro que esse trabalho fora das dependências do empregador será considerado teletrabalho se a natureza da tecnologia utilizada não constituir trabalho externo, deixando clara a diferença entre tais formas de trabalho.
Entre outras exigências, a lei dispõe que as atividades e o regime de teletrabalho deverão constar expressamente do contrato do empregado, esclarecendo, ainda, que, diferentemente do que ocorre com o trabalhador externo (artigo 62, I, CLT), o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado, não descaracteriza o regime de teletrabalho.
O empregado em regime de teletrabalho também ficou excluído das regras de duração do trabalho previstas na CLT, conforme disposto no artigo 62, III, do referido diploma. Logo, o empregador está desobrigado de controlar a sua jornada por meio de ponto, assim como está desobrigado do pagamento das horas extras.
Mas cuidado! O Tribunal Superior do Trabalho já possui decisões fundamentando o pagamento de horas extras em casos nos quais é possível ao empregador realizar o controle de jornada dos empregados por outros meios que não o controle de ponto clássico.
Então, se na sua prática diária há roteiro prefixado de atividades a serem desempenhadas pelo empregado em teletrabalho, quantidade mínima de procedimentos a serem efetuados em determinado dia, se há fixação de metas com base em contatos realizados, sugiro veementemente que se adotem mecanismos de registro da jornada diária e outros que evitem a realização de sobrelabor, como sistemas que permitem o acesso a partir de determinada hora do dia e se encerrem automaticamente no horário de término da jornada, impedindo, assim, a realização de horas extras.
Contudo, se houver atividades que podem ser realizadas pelo empregado fora desse sistema, outras precauções devem ser tomadas.
O home office, por sua vez, caracteriza-se pela realização do trabalho pelo empregado em sua residência em algumas oportunidades, sem que isso constitua a regra. Ou seja, parte do trabalho é feito no espaço físico do empregador.
O home office, ao contrário do teletrabalho, não depende da utilização de tecnologias de informação e de comunicação para a sua realização e nem depende de previsão em contrato de trabalho, podendo ser instituído por norma interna da empresa.
Desse modo, o empregado não está excetuado das regras de limite de jornada, cabendo ao empregador controlá-la e efetuar o pagamento das horas extraordinárias e consectários, como adicional noturno, caso haja excesso.
O trabalhador externo, por sua vez, não desempenha seu trabalho em casa ou nas dependências da empresa. Suas atividades são realizadas todas externamente, pois precisam, por exemplo, realizar visitas a clientes para efetuar vendas. Essa é uma hipótese comum de contrato de trabalho realizado nos moldes do artigo 62, I, CLT.
Destaca-se que a qualidade de trabalhador externo deve vir anotada na CTPS do empregado e em sua ficha de registro. Trata-se de requisito objetivo para aplicação do disposto no artigo 62, I, da CLT.
Este trabalhador, assim como aquele que possui regime de teletrabalho, está excetuado das regras de duração de jornada previstas na CLT, não sendo devido a eles o pagamento de horas extraordinárias.
Mas aqui cabe novamente dizer: cuidado Não é porque o empregado trabalha na rua, realizando visitas para efetuar vendas, ou é um motorista de caminhão, por exemplo, que será considerado trabalhador externo e dispensado do controle de jornada.
Para que isso ocorra, deve ficar evidenciada a impossibilidade de controle da jornada realizada pelo trabalhador.
Nesse ponto, convém chamar atenção para o que ensina Vólia Bonfim Cassar (2014, p. 671) sobre as diferenças entre os tipos de trabalhadores externos. Segundo a autora, há três tipos de trabalhadores externos:
“1º — Trabalhadores externos cujo controle de horário e de execução das tarefas é impossível ou de difícil mensuração;
2º — Trabalhadores externos, mas que são obrigados a passar na empresa durante o expediente, podendo existir ou não fiscalização;
3º — Trabalhadores externos cuja atividade desenvolvida é compatível com a fixação de horário”.
Aqui, somente no primeiro caso, de impossibilidade de controle de horário e execução de tarefas, estaremos diante da hipótese do artigo 62, I, da CLT, segundo o qual o empregado estará excetuado das regras de duração do trabalho. Consequentemente, não haverá pagamento de horas extras.
Numa discussão judicial para pagamento de horas extras, porém, vai caber ao empregador que defender não ser devido o pagamento em razão de realização de trabalho externo comprovar que o controle de horário e de execução de tarefas não era possível de ser realizado.
E, no dia a dia, eis as práticas que os tribunais entendem que, se adotadas, afastam a impossibilidade de controle de horário e de execução de tarefas:
a) Comparecimento obrigatório na empresa no início e no fim da jornada;
b) Existência de ferramentas que permitam a fiscalização, pelo empregador, do trabalho executado pelo empregado, como apresentação obrigatória pelo empregado do itinerários realizados no dia com nome de clientes e horário de visitas, roteiro estabelecido previamente pelo empregador, metas de visitas, avisos pelo WhatsApp ou por ligação do encerramento da visita a determinado cliente;
c) Existência de aparelhos tecnológicos de controle de atividades e tarefas, contendo, inclusive, horários de vendas ou visitas por meio de tablet, celular etc;
d) GPS em veículo utilizado para as atividades.
Enfim, se por qualquer modo restar demonstrado que o empregador possuía meio de conhecer da jornada do empregado, o requisito subjetivo para a aplicação do artigo 62, I, CLT poderá ser afastado.
E qual o problema para o empregador nessa situação?
Se ele não mantinha os controles de jornada desses empregados em jornada externa, terá de fazer prova da jornada efetivamente praticada dentro dos limites legais em eventual ação pleiteando horas extras.
Exatamente por isso algumas empresas que antes admitiam seus empregados como trabalhadores externos têm adotado mecanismos de controle de horário e realizado a contratação fora dos modelos do artigo 62, I, da CLT.
De fato, quando tal norma trabalhista foi pensada, era inviável o controle de horário de uma série de atividades que deveriam ser realizadas fora do estabelecimento empresarial, o que não se compatibiliza, atualmente, com os atuais mecanismos de controle implantados em diversas situações.
Por essa razão, é importante avaliar com cuidado a situação dos colaboradores que desempenham suas atividades no dia a dia na rua, a fim de implementar boas práticas compatíveis com a legislação e o entendimento dos tribunais acerca do tema.
Referências bibliográficas
CASSAR, Vólia Bomfin. Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: 2014. MÉTODO.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: 2017. LTR.
Nayara Ferreira Marques da Silva é advogada em São Paulo, pós-graduada em Direito Empresarial e pós-graduanda em Direito Previdenciário.
Revista Consultor Jurídico