‘Os Relatórios sobre Sarah e Saleem’ e ‘Black’: Dois casais enfrentam a rivalidade entre seus grupos, em Jerusalém e nas gangues de Bruxelas
Créditos da foto: (Divulgação)
Palestinos x israelenses
Um simples caso de adultério entre um palestino e uma israelense nunca é um simples caso de adultério. Menos ainda se a adúltera for casada com um coronel do Exército israelense e o amante for casado com uma jovem palestina destemida. E ainda menos se a judia se atrever a acompanhar o amante árabe numa noitada em Belém, capital da Cisjordânia.
Os Relatórios sobre Sarah e Saleem (The Reports on Sarah and Saleem) cobre a transgressão sexual com uma camada de adrenalina e salpica grãos de sororidade por cima de tudo. Um roteiro inspirado do diretor Muayad Alayan e seu irmão Rami Musa Alayan põe em cena diversas facetas da complexa relação de forças vigente em Jerusalém. Quando o caso entre Saleem (Adeeb Safadi) e Sarah (Sivane Kretchner) começa a extrapolar os limites da van de entregas onde ele trabalha e os dois se encontram, eles são vítimas de uma intriga de espionagem e segurança nacional que põe em risco seus respectivos cônjuges (Ishai Golan e Maisa Abd Elhadi) e pode detonar um conflito maior.
Saleem cai nas garras primeiro da Inteligência palestina, depois das forças de segurança israelense, ao mesmo tempo em que é equivocadamente celebrado como herói por seus concidadãos. O cerco sobre Sarah se aperta e vai exigir decisões éticas e familiares difíceis, na medida em que o projeto de vingança conjugal do marido militar se traveste de punição política.
No fim das contas, o pecado original da traição não poupa os homens, todos envolvidos com as questões de conveniência. Cabe às duas mulheres (e mães) administrar a dignidade e os sentimentos. Nesse sentido, pode-se dizer que este é um filme discretamente feminista.
A produção é palestina com participações de Alemanha, Holanda e México. Muayad Alayan dirige elenco e narrativa com um apuro raro para quem está apenas no segundo longa-metragem. O retrato que faz de israelenses e palestinos é sóbrio e equilibrado, canalizando a crítica maior num único personagem, o agente israelense Avi (Jan Kühne), que poderia ser facilmente confundido com um gelado algoz da Gestapo. Um atrativo a mais no filme é a frequência com que as áreas ocidental e oriental de Jerusalém aparecem na tela em grandes tomadas panorâmicas.
***
‘Black’ (Divulgação)
Negros x marroquinos
Black é uma primeira incursão do cinema belga na questão das gangues de imigrantes que proliferaram no país nas últimas décadas. Os protagonistas são dois jovens que se rebelaram contra o modelo dos pais e a perspectiva de uma vida a serviço do sistema. A congolesa Mavela (Martha Canga Antonio) participa, um tanto inocentemente, de gangue Black Bronx, que lida com o tráfico de drogas e assaltos. Marwan (Aboubakr Bensaihi) é membro da gangue 1080 de marroquinos, liderada por seu irmão mais velho e dedicada a pequenos roubos de rua. A atração entre os dois nasce ao se conhecerem em passagem por uma delegacia.
Clandestinamente, eles se arriscam a transgredir as normas de segregação entre os dois grupos rivais, um pouco na linha de Romeu e Julieta e Amor, Sublime Amor. Seus encontros amorosos se dão numa igreja em reforma e têm uma aura romântica muito alheia ao que vivem fora dali. As consequências, como se prevê, serão terríveis e vão envolver diversas formas de violência extrema.
Os diretores belgo-marroquinos Adil El Arbi e Bilall Fallah não demonstram muita sutileza na caracterização dos personagens, nem na exposição da ferocidade das gangues. Desde as primeiras cenas de roubo, confrontos entre gangues e perseguição policial, instala-se uma pegada bastante exploratória. Isso se agrava ainda mais na forma como os negros são pintados: excessivamente violentos, estupradores e tiranizadores de mulheres. O líder dos Black Bronx chega a ter um cachorro especializado em destruir o rosto de mulheres que prejudiquem a gangue. Os marroquinos, embora também truculentos e boçais, parecem muito menos destrutivos e até relativamente ingênuos.
Posso estar errado na impressão de que Black tangencia o racismo, mas não posso negar a perícia com que a dupla “Adil & Billal” maneja a linguagem contemporânea e a dicção de seus atores, muitos dos quais recrutados nas ruas de Bruxelas. O filme é quase sempre envolvente, exceto quando abusa das tonalidades e quando apela ao clichê da polícia como panaceia para o problema social.
*’Os Relatórios sobre Sarah e Saleem’ e ‘Black’ estão disponíveis na plataforma Reserva Imovision
Carta Maior