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Afastamento da gestante do trabalho presencial pode ter repercussão negativa

Por Eduardo Caringi Raupp e Paula Maia

No último dia 13 foi publicada a Lei 14.151, de vigência imediata, determinando que, durante a situação de emergência decorrente da pandemia da Covid-19, as empregadas gestantes sejam afastadas do trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

A lei ainda permite que a empregada gestante fique à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

A redação do novo diploma legal, que contém apenas dois artigos e um parágrafo, é bastante singela e não suscita maiores dúvidas de interpretação: a gestante deve ser imediatamente afastada do trabalho presencial. De outra parte, os impactos dela decorrentes nas relações trabalhistas são de uma complexidade inversamente proporcional à simplicidade de seu texto, especialmente no que tange aos segmentos econômicos que, por sua natureza, não permitem o teletrabalho.

Inicialmente é preciso atentar que a lei em comento tem sua origem no PL 3.932/2020, de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), em conjunto com outras deputadas. Criada no intuito de proteção tanto da gestante quanto do feto, a lei se justifica na considerável ampliação do número de vítimas fatais e da alta taxa de ocupação de unidades de terapia intensiva (UTIs) hospitalares.

Em que pesem louváveis os motivos que justificaram a edição da lei, não se pode olvidar que o afastamento das empregadas gestantes atrai um ônus financeiro imprevisto ao seu empregador, na medida em que garantida a remuneração em sua integralidade mesmo quando inviável o teletrabalho.

De plano percebe-se que a decisão tomada pelo Legislativo e referendada pelo Executivo contraria a estratégia política do governo atual, que, até então, havia se mostrado avesso às medidas de paralisação das empresas e afastamento de empregados, na aparente tentativa de evitar o agravamento da crise econômica do país. Essa esquizofrenia do governo atrai os maiores dos problemas sempre reclamados pelo segmento produtivo, a instabilidade e a insegurança jurídica. Sem um debate prévio necessário sobre seus impactos, o governo federal edita uma medida que gera custo às empresas que mais sofrem com a pandemia, as quais atuam em segmentos econômicos cujo trabalho presencial é essencial.

Outro aspecto relevante da medida diz respeito ao seu impacto, positivo ou negativo, no acesso ao mercado de trabalho pela mulher. Via de regra as medidas populistas, como a Lei 14.151, não enfrentam essa incômoda discussão.

A situação pandêmica no Brasil perdura por mais de um ano e não parece estar perto de chegar ao final, salvo para os lunáticos que insistem na aglomeração, não raro motivados por nossa autoridade federal máxima. Durante esse período experimentamos, dia após dia, o agravamento das desigualdades estruturais existentes, entre as quais a de gênero e raça.

Basta estar no mercado de trabalho para identificar a recorrente discriminação e preconceito na contratação de mulheres, principalmente aquelas consideradas em “idade fértil”. Muito disso decorre da legislação trabalhista em vigor, que, arcaica e ultrapassada, é erroneamente interpretada por grande parte dos empregadores como uma proteção desmedida e dispendiosa.

Como se não bastasse, é incontestável que grande parte das casas brasileiras é chefiada por mulheres. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE), o número de mulheres responsáveis financeiramente pelos domicílios vem crescendo a cada ano e já chega a 34,4 milhões. De fato, estamos virando uma sociedade matriarcal, mas ainda espremida por um machismo estrutural que insiste em reinar.

E, nesse ciclo vicioso, em que a mulher precisa transcender o preconceito do mercado de trabalho para garantir o sustento de sua família, leis de conteúdo enrijecido, como a de nº 14.151, prejudicam ainda mais a contratação e manutenção do emprego da mulher, sem falar nas inúmeras barreiras para progressão de carreira.

Especialmente neste momento de grave crise sanitária e econômica no qual estamos submersos, a adoção de medidas inflexíveis mostra-se desajustada e não harmônica, pois desconsidera as particularidades de cada caso e, até mesmo, a própria vontade da gestante. Encampada por um governo que sempre contrariou o “empoderamento feminino”, como se evidencia na sua posição sobre o aborto, a aparente esquizofrenia inicialmente diagnosticada, na verdade, pode ser entendida como método para alijar as mulheres do mercado de trabalho. Infelizmente tudo se pode esperar daqueles que vivem na busca de uma distopia.

O certo é que o tema, por envolver conflito de direitos fundamentais, exige discussão profunda e ponderação a partir do caso concreto. Não parece racional, diante da cultura trabalhista enraizada em nosso país, generalizar e discriminar o grupo de mulheres gestantes, afastando-as do mercado de trabalho sem sequer ouvir suas vozes.

É claro que a lei está em vigor e deve ser cumprida, mas não podemos perder o senso crítico, e nem deixar de refletir sobre o quanto esse tipo de medida, de cunho extremamente garantista e protecionista, pode repercutir negativamente, ao inverso do que pretendido. Não podemos nos esquecer da célebre lição de Simone de Beavoir: “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta”.

Eduardo Caringi Raupp é advogado sócio fundador do escritório Raupp Moreira Advogados, mestre em Processo Civil pela PUC-RS, professor convidado de pós-graduação em Direito do Trabalho nas instituições Unisinos, Imed, UniRitter e Feevale, membro da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS e ex-presidente da SATERGS (gestão 2015/2017).

Paula Maia é advogada associada no escritório Raupp Moreira Advogados, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto IMED e membro da Associação Women In Law Mentoring Brazil – WLM/BR.

Revista Consultor Jurídico

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